O homem é capaz de Deus?

Meus comentários de catequese aos Artigos 27 a 44 do Catecismo da Igreja Católica

Quando iniciamos a profissão de fé dizendo “Creio”, afirmamos mais do que um simples assentimento intelectual; fazemos um ato de confiança e entrega.  O Catecismo nos lembra que, antes de entrarmos nos detalhes da doutrina cristã, como os artigos do Credo, os sacramentos, os mandamentos e a oração, é essencial compreendermos o que significa crer.

Crer é responder a uma iniciativa divina: não é o ser humano que toma a dianteira, mas Deus que se revela e se oferece ao homem. 

A fé, então, não é uma criação nossa, mas uma acolhida, um “sim” livre à verdade que Deus nos comunica. Essa resposta, contudo, só pode ser compreendida plenamente à luz da sede natural que o ser humano tem de sentido. 

Todo homem, em algum momento da vida, se depara com perguntas fundamentais: “Quem sou?”, “De onde vim?”, “Para onde vou?”, “O que dá sentido ao sofrimento, à morte, à alegria, ao amor?”. 

O Catecismo começa, portanto, reconhecendo essa busca universal, essa inquietação gravada no coração de cada pessoa. É a partir dessa sede que o homem se abre à possibilidade de um encontro com Alguém que ultrapassa a razão, mas que a ilumina: Deus.

Deus, na Sua bondade, não permanece distante. Ele vem ao nosso encontro por meio da Revelação: se comunica, se mostra, se dá a conhecer.  Essa Revelação culmina na Pessoa de Jesus Cristo, a Palavra eterna que se fez carne. A fé cristã não é, portanto, baseada em ideias abstratas ou em sentimentos passageiros, mas em uma relação viva com um Deus que fala, age e convida. 

Essa iniciativa divina é o fundamento de nossa fé. Por isso, o Catecismo organiza sua exposição começando por essa dinâmica: a busca humana, a revelação divina e a resposta da fé e é por isso que o Creio começa com Deus. Não começamos falando do ser humano, da Igreja ou de nós mesmos, porque Deus é o princípio de tudo. 

A fé cristã é teocêntrica: ela parte de Deus, caminha com Deus e retorna a Deus. Começamos o Credo com “Creio em Deus” porque Ele é a fonte da existência, da salvação, da verdade e da plenitude que buscamos. Começamos com Deus porque, sem Ele, nada mais se explica; é d’Ele que tudo vem e a Ele tudo deve voltar.

Esse início revela também a humildade própria da fé: não colocamos o “eu” no centro, mas o “Tu” divino. Crer é um ato de sair de si para confiar em Alguém que é maior.  É reconhecer que a vida não é obra do acaso, mas dom gratuito de um Pai amoroso. Começar com Deus é um gesto de reverência, de ordem e de verdade: colocamos a realidade como ela é, com Deus no centro.

Assim, desde o início vemos que o Catecismo nos propõe um itinerário que respeita a dinâmica do encontro entre o homem e Deus. Começa pela inquietação humana, passa pela manifestação amorosa de Deus e culmina na fé como resposta.  Começar o Creio com Deus não é apenas uma escolha litúrgica ou doutrinária, mas a expressão natural da verdade que professamos: Deus nos amou primeiro (1Jo 4,19), e por isso, nós cremos Nele primeiro.

I. O Desejo de Deus

A fé cristã não começa com um conjunto de regras ou uma adesão formal a uma doutrina, mas com uma verdade essencial sobre o ser humano: fomos criados com um desejo inato de Deus e essa sede espiritual, inscrita no mais profundo do coração humano, é a centelha que nos impulsiona a buscar sentido, verdade e plenitude. 

O Catecismo da Igreja Católica, ao iniciar a exposição sobre a fé, parte dessa realidade universal da alma humana: somos seres que desejam Deus, mesmo quando não sabemos nomear esse desejo.

O homem foi criado por Deus e para Deus. Essa afirmação simples carrega uma profundidade insondável. Ela revela que não somos produto do acaso, nem seres lançados ao mundo sem direção. 

Nossa origem está no amor criador de Deus, e nosso destino é a comunhão com Ele. Deus, que nos fez com liberdade, nunca impõe Sua presença, mas nos atrai com amor paciente. Ele Se oferece ao coração humano, não como uma obrigação, mas como a resposta ao anseio mais profundo da alma: encontrar um sentido definitivo para a existência.

Esse desejo por Deus não é um fenômeno religioso restrito a um grupo ou época. 

Ao longo da história, nas mais diversas culturas, o homem expressou sua busca por Deus por meio de ritos, orações, meditações, sacrifícios e formas variadas de culto. 

Ainda que algumas dessas expressões possam conter erros ou ambiguidades, elas testemunham algo grandioso: a humanidade é, por natureza, religiosa. Essa religiosidade é o eco da alma em busca do seu Criador, um sinal de que o coração humano foi feito para se elevar acima de si mesmo e buscar o transcendente.

A Sagrada Escritura também confirma essa verdade. No livro dos Atos dos Apóstolos, São Paulo afirma que Deus criou todos os povos para que O buscassem e talvez O encontrassem.

“Embora não esteja longe de cada um de nós, pois é n’Ele que vivemos, nos movemos e existimos” (At 17, 26-28). 

Essa passagem mostra que a busca de Deus é parte do desígnio divino para o homem. Não é apenas uma iniciativa humana; é resposta a um chamado silencioso e constante, que brota de um Deus que se deixa encontrar.

Contudo, essa relação íntima e vital com Deus pode ser negada, esquecida ou até combatida. O Catecismo reconhece que o ser humano, apesar de ter sede de Deus, também é capaz de rejeitá-Lo. 

Esse afastamento pode ter muitas causas: o escândalo do mal, a ignorância, a indiferença, a atração pelas riquezas, a distração com as preocupações do mundo, o mau exemplo dos fiéis e até mesmo a influência de ideologias que ridicularizam a fé. 

Cada uma dessas causas enfraquece a sensibilidade espiritual e leva o homem a viver como se Deus não existisse.

Mais profundamente, o afastamento de Deus nasce muitas vezes do pecado. Como Adão no Éden, o homem pecador teme a luz que revela sua condição. Por isso, esconde-se, foge, tenta se bastar. 

A vergonha, o orgulho ou a dor podem fazer o homem se retrair diante do convite divino. Em vez de se abrir ao amor que salva, ele se fecha no próprio egoísmo ou na falsa segurança que o mundo promete. 

Esse distanciamento não anula o desejo de Deus, mas o obscurece, fazendo com que a alma se torne insatisfeita e inquieta.

Apesar de tudo isso, Deus nunca abandona o homem. Ele continua a chamar, a provocar o coração, a despertar a consciência. Mesmo quando o homem não procura, Deus está buscando. 

Mesmo quando o homem silencia, Deus fala. Essa fidelidade divina é a grande esperança do cristianismo: somos procurados, amados e esperados pelo nosso Criador. Deus é como um pai que não se cansa de olhar para a estrada, esperando o retorno do filho pródigo.

A Escritura nos exorta: 

“Exulte o coração dos que procuram o Senhor” (Sl 105, 3). 

Há uma bem-aventurança reservada àqueles que buscam com sinceridade. 

A verdadeira alegria não está em encontrar respostas fáceis ou soluções rápidas, mas em saber que estamos a caminho, em sintonia com o sentido último da vida. Buscar a Deus é, em si, um ato de fé e de confiança, uma entrega que enobrece a alma.

Mas essa busca não é superficial. Ela exige todo o esforço da inteligência, a retidão da vontade e um coração sincero. 

O encontro com Deus não é fruto de emoção passageira, mas de um caminho de abertura, escuta e perseverança. É preciso purificar os desejos, ordenar os afetos e vencer as ilusões que nos desviam. É uma busca que exige conversão interior e constância.

Além disso, ninguém encontra Deus sozinho. Precisamos uns dos outros. O testemunho de fé de pessoas autênticas pode acender em nós a luz da busca. 

Um pai, uma mãe, um professor, um amigo, um santo, qualquer pessoa que viva a fé com coerência pode ser instrumento de Deus para nos despertar. A fé se transmite por palavras, mas sobretudo por vidas transformadas.

Deus age por meio da história e das pessoas. Ele se revela nas Escrituras, mas também nos pequenos sinais do cotidiano. 

CIC 44. O homem é, por natureza e vocação, um ser religioso. Vindo de Deus e caminhando para Deus, o homem não vive uma vida plenamente humana senão na medida em que livremente viver a sua relação com Deus.

A pedagogia divina respeita o tempo e a liberdade de cada um, mas também se vale de mediações: uma homilia, uma leitura, uma conversa, uma dor, um momento de silêncio. Tudo pode ser ocasião de encontro com Aquele que é a origem e o fim de todas as coisas.

Essa dinâmica entre busca humana e iniciativa divina encontra sua expressão mais bela na oração. 

A oração é, por excelência, o lugar onde o desejo de Deus e o amor de Deus se encontram. Quando rezamos, ainda que imperfeitamente, estamos respondendo ao apelo que o próprio Deus plantou em nós.

Santo Agostinho, com sua profunda sabedoria e experiência de vida, resume toda essa realidade em uma frase que ecoa através dos séculos: 

“Fizeste-nos para Ti, e inquieto está o nosso coração enquanto não repousa em Ti”. 

Essa inquietação não é um defeito, mas um dom. Ela nos impede de nos acomodar nas ilusões do mundo e nos impulsiona a buscar o verdadeiro repouso que só Deus pode dar.

O louvor que Agostinho dirige a Deus não vem da perfeição, mas da condição humana limitada e pecadora. Ele reconhece sua pequenez, sua fraqueza, mas mesmo assim deseja louvar a Deus. E reconhece que esse desejo é provocado pelo próprio Deus, que nos atrai para Si, não pela força, mas pela doçura de Sua verdade.

É nesse louvor, fruto de uma alma que se reconhece dependente de Deus, que o homem encontra a liberdade. Quando deixamos de fugir, de lutar contra a verdade e simplesmente nos rendemos ao amor de Deus, a paz começa a florescer em nosso interior.

Viver sem reconhecer esse amor é viver aquém da verdade. A plenitude humana só se realiza quando o homem se entrega livremente ao seu Criador. 

Fora dessa entrega, todas as buscas acabam por se tornar vazias, porque não encontram o seu fim último.

A fé, portanto, não é um conjunto de rituais vazios ou obrigações morais. Ela é, antes de tudo, o encontro do desejo do homem com o amor de Deus. É o ponto de união entre a sede que nos move e a fonte que nos sacia.

Por isso, a catequese que começa por reconhecer esse desejo profundo é mais eficaz e verdadeira. Quando ajudamos as pessoas a escutar essa inquietação interior e a compreender que ela é sinal da presença de Deus, abrimos caminho para uma fé mais viva, mais consciente, mais madura.

Evangelizar, então, é despertar corações. É tocar nessa sede adormecida e apontar a fonte. É mostrar que a felicidade não está em acumular bens, em conquistar status, ou em fugir da dor, mas em repousar no amor de Deus que nos criou por amor e nos conserva por amor.

Esse repouso, esse fim, essa paz que buscamos em tantos lugares, já nos foi prometido. Basta que, com humildade, nos deixemos encontrar por Aquele que nunca se cansa de nos procurar.  Porque o coração humano só encontrará sua morada definitiva quando estiver unido, em amor, ao coração de Deus.

II. Os caminhos de acesso ao conhecimento de Deus

O ser humano, criado à imagem e semelhança de Deus, carrega dentro de si um chamado: conhecer e amar Aquele que o criou. Essa vocação o move a buscar, e nessa busca ele encontra pistas, caminhos, marcas deixadas por Deus na criação. 

A Igreja chama esses caminhos de “provas da existência de Deus”,  não no sentido empírico, como na ciência natural, mas como argumentos profundamente racionais, convincentes, convergentes, que conduzem à certeza de que Deus existe.

Esses caminhos de acesso a Deus são possíveis porque a razão humana, iluminada e orientada pela sede de verdade, é capaz de perceber uma ordem, um sentido, uma origem e um destino nas coisas criadas. 

São pontos de partida acessíveis a todos: o mundo que nos cerca e o próprio homem. Ambos, quando contemplados com humildade e inteligência, conduzem ao Criador.

A contemplação do mundo material revela ao coração atento uma harmonia que vai além do acaso. 

A ordem, o movimento, a beleza e a contingência das coisas não apontam para si mesmas, mas para uma causa superior. Tudo o que se move, tudo o que muda, tem uma origem, uma razão de ser. Nada é absoluto por si só.

São Paulo, na Carta aos Romanos, afirma que as perfeições invisíveis de Deus tornam-se visíveis por meio de Suas obras. Ou seja, a criação é um reflexo da majestade divina. 

Deus manifesta-se naquilo que criou, de modo que ninguém pode alegar ignorância completa: o mundo fala, e sua linguagem silenciosa aponta para Deus.

Santo Agostinho, com sua profunda sensibilidade espiritual, convida-nos a interrogar a beleza da criação. Cada elemento do universo responde com louvor ao seu Criador. 

A beleza que vemos é um reflexo da Beleza eterna. E se as criaturas são belas, mudando e passando, quanto mais belo não será Aquele que não muda, que é eterno, que é o próprio Belo?

Mas não apenas o mundo exterior testemunha a existência de Deus. O próprio homem, em seu interior, carrega marcas de sua origem divina. 

A capacidade de conhecer a verdade, de apreciar o belo, de distinguir o bem do mal, de escolher livremente e de ouvir a voz da consciência são sinais de uma realidade que ultrapassa a matéria.

A alma humana é aberta ao infinito. Ela deseja mais do que o mundo pode oferecer. Há no coração do homem uma sede que nenhuma conquista, bem material ou prazer passageiro consegue saciar. 

Essa abertura ao transcendente é sinal de que o homem não é apenas matéria: ele é espírito. E esse espírito, irredutível à matéria, aponta para uma origem superior.

Essa alma espiritual é descrita pelo Catecismo como um “germe de eternidade”. Mesmo que o corpo envelheça e se desgaste, a alma continua buscando, ansiando, esperando. Essa inquietação aponta para Deus. 

A origem de tal ânsia não pode ser algo inferior, mas só pode vir d’Aquele que é eterno, puro espírito, origem de toda vida.

Dessa forma, o mundo e o homem não possuem em si mesmos nem o seu princípio, nem o seu fim. Eles participam do ser, mas não são o Ser em si. 

Existe, portanto, uma realidade necessária, sem princípio nem fim, causa de tudo o que existe. E a essa realidade, os grandes filósofos e teólogos de todos os tempos reconheceram como Deus.

Esses argumentos, chamados também de “vias” ou “provas” da existência de Deus, foram formulados de maneira clara por pensadores como Aristóteles, Boécio, Tomás de Aquino, e muitos outros. 

Eles demonstram que é possível, por meio da razão, chegar ao conhecimento de um Deus pessoal, criador e providente.

Contudo, essas provas não são a fé, mas preparam o terreno para ela. São como sinais que apontam o caminho. A fé vai além, porque não se limita a reconhecer a existência de Deus, mas acolhe com amor a Sua revelação e entra em comunhão com Ele. 

A razão conduz à porta; a fé, guiada pela graça, atravessa o limiar e entra no mistério.

É importante compreender que essas provas não são imposições, mas convites ao diálogo. Elas não forçam o intelecto, mas oferecem à razão fundamentos sólidos para perceber que crer não é irracional. Pelo contrário: a fé é profundamente coerente com a estrutura do pensamento humano.

Na verdade, a fé e a razão são como duas asas que elevam o espírito humano à verdade. Quando separadas, a razão torna-se seca e a fé, cega. 

Mas quando unidas, elas conduzem o homem ao pleno conhecimento de si mesmo e de Deus. Por isso, o cristianismo nunca rejeitou o uso da razão, mas sempre a considerou como aliada no caminho para o alto.

Deus, que nos criou com inteligência, não nos pede que a abandonemos. Ao contrário, Ele a respeita e a utiliza como ponte para o encontro com Ele. E embora essas provas não substituam a fé, elas mostram que crer é algo profundamente razoável, e que a razão, quando busca sinceramente a verdade, sempre encontrará o rastro do Criador.

Sim, podemos dizer que o universo e o próprio homem são como dois livros escritos por Deus. O primeiro revela sua majestade no cosmos; o segundo, no interior da alma. 

Quem aprende a ler esses livros, com humildade e sabedoria, começa a perceber que não estamos aqui por acaso, mas que viemos de Deus e para Ele caminhamos.

III. O conhecimento de Deus segundo a Igreja

A Santa Igreja reconhece e ensina com firmeza que Deus pode ser conhecido pela razão humana. 

Antes mesmo de falar em fé ou revelação, a Igreja afirma que a própria natureza do homem, dotada de inteligência, é capaz de chegar ao conhecimento de Deus observando o mundo criado. 

As coisas visíveis  são sinais que apontam para um Criador. Esse é um ensinamento antigo, enraizado na tradição filosófica e confirmado pela Sagrada Escritura.

Essa capacidade natural que o homem possui de conhecer a Deus não é fruto do acaso, mas da sua própria dignidade: ele foi criado à imagem e semelhança do Criador. 

Isso significa que, assim como Deus é racional, livre e relacional, o ser humano compartilha dessas características em sua alma espiritual. 

Somos feitos de maneira tal que podemos reconhecer a verdade e nos abrir à comunhão com Aquele que é a Verdade em pessoa.

A existência de Deus, portanto, não é algo totalmente inacessível ao pensamento humano. Com esforço sincero, o homem pode, por meio da reflexão sobre a natureza, da experiência moral e da razão, chegar à certeza da existência de um Deus pessoal, providente e bom. Esse é o fundamento do que a Igreja chama de teologia natural, um caminho racional, sem ainda recorrer à fé, que conduz o homem a reconhecer a presença de Deus.

No entanto, a realidade da condição humana nos mostra que esse caminho não é fácil. Apesar de termos essa capacidade, enfrentamos enormes dificuldades para colocar a razão em prática de forma plena e verdadeira. 

As limitações da nossa natureza ferida tornam o uso da razão algo tenso, trabalhoso, por vezes até desanimador.

O Catecismo reconhece essas dificuldades com grande realismo. O homem, embora dotado de razão, vive em condições históricas e pessoais que afetam sua capacidade de conhecer o transcendente. 

A própria ordem sensível, aquilo que vemos, tocamos e sentimos,  pode se tornar uma distração ou mesmo um obstáculo quando absolutizada, dificultando o acesso às verdades que não são visíveis aos olhos.

Além disso, a imaginação pode nos enganar, os desejos desordenados nos arrastam para longe da verdade, e o pecado original deixou feridas que comprometem a clareza do nosso juízo. 

Por isso, muitas vezes, os homens resistem à verdade de Deus não por falta de capacidade, mas por medo ou recusa interior. 

Há verdades que exigem conversão, renúncia e abertura. E o coração humano, preso ao próprio ego, nem sempre está disposto a essas exigências.

Essa é uma ferida antiga: desde o Éden, o homem tenta se afastar de Deus quando se sente confrontado. E hoje, isso se manifesta na facilidade com que as pessoas se convencem de que Deus não existe, ou de que é impossível conhecê-Lo. 

Não por uma objeção racional verdadeira, mas porque aceitar a existência de Deus exigiria mudar de vida.

Diante disso, torna-se evidente que o uso da razão, embora seja um dom precioso, precisa de auxílio. 

É aqui que a Revelação se torna necessária, não como substituição da razão, mas como sua luz e guia. Deus, que criou o homem com inteligência, também sabe que ele precisa ser esclarecido, instruído e conduzido com paciência e clareza. 

Por isso, revelou-Se à humanidade, para que todos, mesmo os mais simples, pudessem conhecer a verdade com certeza e sem erro.

A Revelação de Deus não é, portanto, um privilégio de poucos, mas um dom oferecido a todos. 

Mesmo aquelas verdades religiosas e morais que poderiam, teoricamente, ser acessíveis à razão humana, tornam-se, no contexto atual da humanidade, de difícil acesso sem a ajuda da Palavra de Deus. A Revelação vem como resposta à fraqueza humana: ela confirma, esclarece e aperfeiçoa aquilo que a razão, sozinha, com dificuldade alcança.

A fé cristã, então, não é irracional. Pelo contrário: ela acolhe e eleva a razão. A fé não anula a inteligência, mas a liberta de seus limites e medos. 

Ao aceitar a Revelação, o homem não se torna escravo do dogma, mas discípulo da Verdade. Ele entra em um caminho de conhecimento que une mente e coração, razão e amor.

É por isso que a Igreja ensina que não há oposição entre fé e razão. Quando bem compreendidas, elas se completam. A razão prepara o terreno da fé, e a fé, por sua vez, ilumina e purifica a razão. 

Quando a inteligência humana se abre à luz de Deus, torna-se mais ela mesma: mais verdadeira, mais livre, mais capaz de compreender o mundo e o sentido da vida.

Muitos santos e pensadores da Igreja, como Santo Agostinho e São Tomás de Aquino, dedicaram suas vidas a mostrar essa harmonia entre crer e compreender. 

Eles não viam a fé como um salto no escuro, mas como um passo à frente, iluminado por uma razão que confia em Alguém maior. Crer, diziam eles, é um ato que eleva a razão à sua plenitude.

Mesmo assim, é importante reconhecer que muitos ainda hoje resistem a essa luz. 

Vivemos em uma cultura que idolatra o sensível, o imediato e o mensurável. Tudo o que não pode ser visto ou provado por métodos científicos é descartado como irrelevante. Nesse cenário, a verdade sobre Deus é frequentemente tratada com indiferença ou suspeita.

Cabe aos cristãos, então, o papel de testemunhar com alegria e clareza que a fé é racional, e que a razão encontra repouso quando se deixa conduzir pela verdade revelada. Evangelizar é também ajudar as pessoas a recuperar a confiança na sua própria capacidade de conhecer e amar a verdade.

Por fim, reconhecer a necessidade da Revelação é um ato de humildade. É admitir que precisamos ser ensinados, que não somos autossuficientes. É acolher com gratidão o dom que Deus nos deu: a Sua Palavra, a Sua presença, a Sua verdade que salva. E, ao fazer isso, nos colocamos no caminho do verdadeiro conhecimento — aquele que liberta, transforma e conduz à vida eterna.

IV. Como falar de Deus?

A Igreja, ao afirmar que o homem pode, pela razão, conhecer a Deus, está não apenas defendendo uma verdade teológica, mas expressando sua confiança na dignidade da inteligência humana. 

A razão, mesmo ferida pelo pecado, conserva a capacidade de refletir sobre o sentido da existência, de perceber a ordem do mundo, e, a partir disso, de chegar ao conhecimento do Criador. 

Essa convicção fundamenta o desejo da Igreja de dialogar com todos os homens: crentes ou não, cientistas, filósofos ou membros de outras religiões.

Esse diálogo é possível porque, embora a fé vá além da razão, não a contradiz. Pelo contrário, a fé eleva e ilumina a razão. 

A Igreja, portanto, não teme os questionamentos da filosofia, nem as descobertas das ciências, nem mesmo os argumentos dos ateus: ela os acolhe com seriedade, buscando caminhos de encontro que partam do ponto comum da razão humana, criada por Deus e sustentada por Ele.

No entanto, mesmo reconhecendo a capacidade humana de conhecer a Deus, a Igreja é consciente de seus limites. Nosso conhecimento de Deus é real, mas incompleto. 

Somos criaturas finitas, e nossa linguagem, nosso modo de pensar, nossas categorias, não conseguem conter a plenitude do mistério divino. 

Tudo o que dizemos sobre Deus, dizemos a partir do que conhecemos aqui, no mundo criado, de forma analógica, nunca exaustiva.

Isso não significa que não possamos falar de Deus — pelo contrário, podemos e devemos falar de Deus, mas com humildade. Falamos d’Ele a partir das criaturas, e especialmente a partir do homem, criado à Sua imagem e semelhança. 

As perfeições das criaturas — como a beleza, a bondade, a verdade — são reflexos pálidos, mas reais, da perfeição infinita do Criador. Por isso, contemplar a criação nos conduz, por analogia, à contemplação de Deus, como diz o livro da Sabedoria: “a grandeza e a beleza das criaturas conduzem à contemplação do seu Autor” (Sb 13,5).

A teologia cristã sempre reconheceu que Deus é maior do que tudo o que podemos dizer sobre Ele. Qualquer definição, por mais precisa que pareça, ainda é marcada pelas limitações da linguagem humana. 

Por isso, a Igreja nos convida a purificar continuamente nosso modo de falar sobre Deus — evitando reduzi-Lo a categorias humanas, projeções emocionais ou ideias filosóficas fechadas. Deus é “inefável, incompreensível, invisível, impalpável”, como proclamamos na liturgia. Toda linguagem sobre Deus deve partir da admiração reverente diante do mistério.

Ainda assim, embora nossa linguagem sobre Deus seja limitada, ela não é inútil. Ela atinge realmente o próprio Deus, ainda que sem jamais esgotá-Lo. 

A tradição da Igreja, ecoando os grandes pensadores como Dionísio Areopagita e Santo Tomás de Aquino, ensina que “entre o Criador e a criatura, toda semelhança implica uma dissemelhança ainda maior”. 

Em outras palavras, podemos falar de Deus a partir da criação, mas sempre lembrando que Ele é infinitamente mais do que aquilo que conseguimos conceber.

Essa tensão entre o que podemos dizer e o que devemos calar é constitutiva da verdadeira teologia. Ela protege o coração da fé de duas tentações: a de transformar Deus em um objeto manipulável pelo pensamento, e a de reduzir o mistério à linguagem simplista. 

Falar de Deus é possível, necessário, mas requer fé, razão, reverência e silêncio. É um exercício de humildade intelectual e de adoração.

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