Ensaio sobre o CIC 422 a 429 – Creio em Jesus Cristo, Filho Único de Deus
O cristianismo não nasce de uma ideia, de um mito ou de uma filosofia. Ele nasce de um encontro. No coração da fé está uma Pessoa viva: Jesus Cristo, o Filho de Deus encarnado, enviado pelo Pai para revelar Seu amor e oferecer a salvação. Essa é a Boa Nova, o Evangelho que a Igreja anuncia desde os tempos apostólicos:
“Deus amou tanto o mundo que entregou o Seu Filho único, para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna” (Jo 3,16).
A catequese, por sua vez, só tem sentido se for um meio de introduzir neste encontro com Cristo. Como ensina o Catecismo (CIC 426):
“No centro da catequese encontramos essencialmente uma Pessoa, a de Jesus de Nazaré, Filho único do Pai, que sofreu e morreu por nós e que agora, ressuscitado, vive conosco para sempre.” Esse é o núcleo de todo anúncio. Ensinar catequese sem Cristo no centro é como tentar acender uma lâmpada sem energia: pode-se falar de valores, tradições e símbolos, mas tudo fica vazio se não conduzir ao encontro com Ele.
Mas há algo decisivo neste encontro: ele não admite neutralidade. A decisão de seguir Jesus é uma verdadeira dicotomia, no sentido mais profundo do termo. Não existe meio termo entre luz e trevas, entre vida e morte, entre graça e pecado. Ou se acolhe a Boa Nova, ou se a rejeita. Seguir Jesus de “meias medidas” é não segui-lo de fato. Por isso, a catequese precisa ser um anúncio claro, alegre e exigente, que chame à decisão.
A Revelação de Deus em Cristo
O Catecismo da Igreja Católica recorda que, por mais que a inteligência humana seja capaz de buscar a verdade sobre Deus, a nossa razão é finita e limitada. O coração humano, iluminado pela criação e pela consciência, pode chegar a intuir a existência de um Criador, mas jamais penetrar plenamente no Seu mistério por suas próprias forças. Se Deus permanecesse silencioso, nós nunca O alcançaríamos.
É por amor que o próprio Deus toma a iniciativa de se revelar. Ele não se contenta em deixar sinais de Sua presença, mas entra na história, dialoga com o homem, conduz seu povo e, por fim, comunica-Se de modo perfeito e definitivo em Jesus Cristo, o Verbo eterno que “se fez carne e habitou entre nós” (Jo 1,14).
Em Cristo, o invisível se torna visível, o eterno entra no tempo, o infinito assume a nossa fragilidade. Ele é a plenitude da revelação, a Palavra que não apenas fala, mas vive e age. Nele, Deus não apenas se manifesta, mas se entrega totalmente. É aqui que está a diferença radical entre o cristianismo e todas as tradições religiosas ou filosofias humanas: não se trata de uma busca desesperada do homem para subir até Deus, mas do próprio Deus que desce até nós para nos elevar a Si.
Jesus é, como afirmou São João Paulo II, “o rosto humano de Deus e o rosto divino do homem”. Nele contemplamos quem Deus é amor, misericórdia, verdade e, ao mesmo tempo, descobrimos quem somos chamados a ser em plenitude: filhos no Filho.
Por essa razão acreditamos que a Encarnação é o ponto central de toda a história da salvação. Nela, o parecia inconciliável torna-se realidade, o divino e o humano se unem em uma só pessoa, sem confusão ou separação. Este é o paradoxo que escandalizou judeus e gregos e continua sendo pedra de tropeço para muitos: Deus se fez homem, e não apenas para viver entre nós, mas para assumir nossa dor, redimir nossos pecados e abrir-nos as portas da vida eterna.
Por isso, toda catequese deve recordar continuamente esse mistério sublime. Não falamos de uma ideia abstrata ou de um Deus distante, mas de um Deus que tem nome, rosto e história, Jesus Cristo, “o mesmo ontem, hoje e sempre” (Hb 13,8). É Nele que o ser humano encontra a resposta às perguntas mais profundas do coração, e é por Ele que somos introduzidos na intimidade da Trindade, o mistério supremo de amor.
Jesus, coração da catequese (CIC 426 a 429)
O Catecismo da Igreja Católica insiste com clareza que o centro da catequese é Cristo. Essa afirmação nos recorda que Jesus não pode ser tratado como um tema entre outros, como se fosse apenas mais um capítulo de um manual de fé. Ele é o eixo em torno do qual tudo se organiza. A Sagrada Escritura, a liturgia, a moral cristã, a vida de oração, a própria existência da Igreja e tudo converge para Ele, a chave de leitura, o fundamento e o ápice de todo o ensinamento cristão.
Essa centralidade de Jesus significa que a catequese não pode ser reduzida a um conjunto de normas morais, a uma disciplina intelectual ou a uma tradição cultural herdada. É claro que a moral, a doutrina e a tradição têm seu lugar; mas, se não estiverem enraizadas no encontro com Cristo, correm o risco de se tornar estéreis. Ensinar a fé não é transmitir apenas ideias, mas gerar vida nova a partir de um encontro vivo.
Ensinar a fé, portanto, é conduzir o catequizando a uma relação pessoal com Jesus. Não se trata de falar de um personagem distante do passado, mas de apresentar alguém que está vivo e atuante e que não pertence está preso a um museu de história. Ele é contemporâneo de cada homem e de cada geração. Por isso, devemos abrir os olhos do coração para reconhecer sua presença hoje: Ele continua a falar pela Palavra, a agir nos sacramentos, a curar os feridos, a transformar existências.
Esse caráter vivo e atual da presença de Jesus aparece com clareza no Evangelho de João, que nos apresenta narrativas que são verdadeiras janelas para o mistério do encontro entre Cristo e a humanidade. Entre os muitos episódios, destacamos dois para esse ensaio de catequese, o encontro com a samaritana junto ao poço (Jo 4) e a cura do paralítico de Betesda (Jo 5).
A samaritana junto ao poço
João narra que Jesus, cansado da viagem, senta-se junto ao poço de Jacó, ao meio-dia. Esse detalhe aparentemente secundário é carregado de significado. O horário, o mais quente do dia revela algo importante: não era costume das mulheres buscar água nessa hora. Elas normalmente iam em grupos, de manhã ou no fim da tarde, quando o calor era mais suportável. O fato de a samaritana estar sozinha, em pleno sol, indica sua condição de exclusão. Sua vida marcada por fracassos conjugais a tornara motivo de vergonha pessoal e um isolamento social.
Jesus inicia o diálogo com um pedido simples: “Dá-me de beber” (Jo 4,7). Esse gesto é surpreendente porque um judeu não deveria se dirigir a uma mulher samaritana, muito menos pedir-lhe algo. Mas Jesus rompe barreiras culturais e religiosas para alcançar aquela alma. Ele começa do nível mais humano, a sede física, para conduzi-la a uma realidade espiritual mais profunda, fazendo uso de um gatilho inteletual: a curiosidade.
O diálogo revela uma pedagogia paciente. Jesus expõe a verdade da vida dela, não para condenar, mas para libertar. Ele demonstra que, somente pode mudar a direção de sua vida, quem reconhece os seus vícios. Ele mostra que a mulher buscava, em sucessivos relacionamentos, preencher um vazio que jamais seria saciado por experiências humanas. Só Deus poderia oferecer a “água viva” que mata a sede do coração.
A resposta de Jesus ultrapassa aquele diálogo e chega até nós como convite: “Quem beber da água que eu lhe der nunca mais terá sede; a água que eu lhe der se tornará nele uma fonte de água jorrando para a vida eterna” (Jo 4,14).
E mais importante, boas histórias são sobre a mudança dos personagens diante dos seus conflitos pessoais. A transformação é radical. Aquela mulher, antes escondida e envergonhada, deixa o cântaro, sinal da velha vida e corre à cidade para anunciar e torna-se uma emissária da vinda do Messias. “Vinde ver um homem que me disse tudo o que eu fiz. Não seria ele o Cristo?” (Jo 4,29).
O encontro com Jesus gera missão. A catequese, do mesmo modo, deve ser espaço onde a pessoa experimenta esse choque transformador: descobre sua sede mais profunda, encontra em Cristo a resposta e, finalmente, sente a necessidade de testemunhar.
O paralítico de Betesda (Jo 5)
Logo em seguida, João nos apresenta outro encontro decisivo. Perto da Porta das Ovelhas, em Jerusalém, havia um tanque chamado Betesda, rodeado de doentes que aguardavam a movimentação da água para buscar a cura. Entre eles, estava um paralítico há trinta e oito anos. Esse número simboliza quase uma vida inteira marcada pela espera. Ele já não tinha forças, nem esperança. Sua frase revela um coração resignado: “Senhor, não tenho ninguém que me ponha no tanque quando a água é agitada. Enquanto vou, outro desce antes de mim” (Jo 5,7).
Esse lamento mostra que ele se acostumara à sua paralisia. Vivia de desculpas, preso à autopiedade, esperando que algo externo mudasse sua situação. Quantos hoje vivem do mesmo modo: acreditam que sua felicidade depende de circunstâncias externas, e permanecem deitados, sem dar o passo da fé, aguardando que alguém os arrebate daquela condição de auto-piedade?
É nesse contexto que Jesus se aproxima. E faz uma pergunta aparentemente óbvia: “Queres ser curado?” (Jo 5,6). Por que perguntar isso a alguém enfermo há tanto tempo? Porque a fé não é automática. Jesus respeita a liberdade. Ele não impõe; Ele convida. O paralítico precisava escolher: continuar deitado, ou confiar na Palavra que o chama à vida nova.
Ao ordenar: “Levanta-te, toma o teu leito e anda” (Jo 5,8), Jesus não apenas restitui a saúde física. Ele devolve dignidade, esperança, iniciativa. O homem precisa agora carregar seu leito, assumir sua história e caminhar diante de todos. Esse gesto é profundamente catequético: Cristo nos liberta, mas também nos responsabiliza. A fé não é passividade, é movimento. Não é esperar indefinidamente por um milagre, mas responder ativamente à Palavra de Deus que nos chama.
A pedagogia de Jesus, Ele passa por nossas vidas e esse encontro nos transforma
Os dois episódios revelam a mesma dinâmica, Jesus vai ao encontro do homem em sua fragilidade. Com a samaritana, encontra a sede escondida. Com o paralítico, enfrenta a resignação paralisante. Em ambos os casos, Ele rompe barreiras, revela a verdade mais íntima, oferece vida nova e envia para a missão.
Nesses encontros vemos um mesmo dinamismo, Cristo vai ao encontro de quem sofre, quebra barreiras sociais e religiosas, revela a verdade escondida, oferece vida nova, espera pela aceitação e por fim, envia. Tanto a mulher do poço quanto o homem do tanque, depois de experimentar a ação de Jesus, tornam-se anunciadores, um corre à cidade, o outro caminha carregando o leito diante de todos.
Eis a essência da catequese: um encontro pessoal com Jesus que transforma e envia. Quem realmente se encontra com Cristo não permanece o mesmo; torna-se testemunha viva, capaz de proclamar: “Eu vi, eu ouvi, eu encontrei o Senhor.”
A dicotomia do discipulado
Antes de aplicarmos o termo ao seguimento de Cristo, é importante compreender o que significa dicotomia. Trata-se de uma palavra pouco usada no cotidiano, mas cujo conceito ilumina o discipulado cristão. Simeão, ao receber o Menino Jesus nos braços no templo, profetizou que Ele provacaria “divisão entre os homens” (Lc 2,34).
Esse é o sentido da dicotomia: uma divisão em duas partes que não são complementares, mas opostas e excludentes. Quando uma se afirma, a outra necessariamente se anula.
Para entender melhor, pensemos numa laranja cortada ao meio. Nesse caso, não temos uma dicotomia. As duas metades são diferentes, mas complementares, e juntas formam novamente a laranja inteira. Não existe oposição entre elas, mas unidade.
A dicotomia, ao contrário, é uma divisão que não admite conciliação. Trata-se sempre de dois pólos que se excluem mutuamente: ou um, ou outro. Um exemplo simples é o da luz e da escuridão: onde há luz, a escuridão desaparece; onde reina a escuridão, a luz está ausente. Não podem coexistir plenamente.
É justamente esse o sentido do discipulado cristão. Seguir Jesus não é um convite neutro, mas uma escolha radical. O próprio Senhor foi categórico: “Quem não está comigo, está contra mim; e quem não ajunta comigo, espalha” (Mt 12,30). Essas palavras revelam a dicotomia do discipulado: não existe um “meio-termo” entre estar com Cristo ou contra Ele.
Essa realidade significa que a vida cristã é sempre vivida em tensão entre dois caminhos: luz ou trevas, vida ou morte, graça ou pecado. Não se trata de um detalhe secundário, mas do coração da fé. Aquele que escolhe seguir Cristo precisa decidir-se plenamente por Ele. Toda tentativa de conciliar Cristo com os ídolos, ou a fé com a lógica do mundo, gera tibieza espiritual e esterilidade missionária.
O jovem rico: quando a dicotomia exige decisão
O episódio do jovem rico (Mc 10,17-22) é emblemático para compreender a dicotomia do discipulado. Esse homem se aproxima de Jesus com entusiasmo, corre, ajoelha-se, chama-O de “Bom Mestre” e pergunta o que deve fazer para herdar a vida eterna. Até aí, parece cheio de fé e disposição.
Mas Jesus, olhando-o com amor, faz-lhe um convite radical: “Vai, vende tudo o que tens, dá-o aos pobres e terás um tesouro no céu; depois, vem e segue-me” (Mc 10,21). É aqui que a dicotomia se manifesta com toda a força. O jovem é chamado a escolher entre Cristo e suas riquezas. Entre confiar totalmente em Jesus ou permanecer preso às suas seguranças materiais.
E ele não consegue decidir pelo Senhor. O texto diz que saiu triste, porque possuía muitos bens. Aqui vemos a dicotomia em sua forma mais dolorosa: ou seguir a Cristo com desprendimento, ou afastar-se d’Ele carregando a tristeza do coração dividido.
Esse episódio é catequético porque reflete a situação de muitos cristãos: querem Jesus, mas não querem abrir mão do que os prende. Desejam a vida eterna, mas não estão dispostos a transformar radicalmente sua vida. No fundo, procuram uma terceira via, mas a dicotomia do discipulado não admite alternativas: ou com Cristo, ou sem Ele.
Em contraste com o jovem rico, temos a resposta dos primeiros discípulos. Pedro, André, Tiago e João estavam ocupados em suas tarefas de pescadores, mas, ao ouvirem o chamado: “Vinde após mim, e vos farei pescadores de homens” (Mc 1,17), imediatamente deixaram as redes e seguiram Jesus.
O evangelista Marcos enfatiza: “Deixando logo as redes, seguiram-no” (Mc 1,18). Não houve demora, negociação ou desculpas. Essa prontidão mostra que eles entenderam a dicotomia: não era possível permanecer meio pescadores e meio discípulos. Era preciso abandonar as redes para receber uma nova missão.
A dicotomia do discipulado se manifesta aqui na forma positiva: a decisão radical que gera liberdade e missão. Enquanto o jovem rico escolheu os bens e perdeu a alegria, os apóstolos deixaram tudo e encontraram a vida plena.
A vida cristã é sempre dicotômica
As Escrituras estão cheias dessa linguagem de contraste, que revela a própria natureza da vida cristã, afinal não se pode pertencer a dois mundos. O cristão precisa escolher a quem deseja servir. Jesus deixou isso claro: “Ninguém pode servir a dois senhores” (Mt 6,24).
Por fim, é preciso dizer que a dicotomia do discipulado não é uma ameaça, mas uma graça. Ela nos lembra que Deus nos leva a sério, respeita nossa liberdade e nos chama a uma decisão plena. O amor não pode ser morno ou dividido; só pode ser radical.
Optar por Cristo significa optar pela vida, pela verdade, pela luz, pela graça. Recusar Cristo significa, mesmo sem perceber, optar pelas trevas, pela mentira e pela morte. Por isso, a dicotomia do discipulado é, na realidade, a expressão mais clara do amor de Deus, que nos chama a participar de Sua vida plena.
A catequese, então, deve sempre apresentar esse paradoxo: Cristo não é um detalhe a ser acrescentado, mas o centro que reorganiza toda a existência. Ou Ele é Senhor de tudo, ou não é Senhor de nada. E só quem aceita essa radicalidade poderá dizer com Pedro: “Senhor, para quem iremos? Tu tens palavras de vida eterna” (Jo 6,68).
A Boa Nova é simples e profunda: Deus enviou o Seu Filho. Essa é a notícia que muda a história, que dá sentido à vida, que abre horizontes de eternidade. O coração da catequese é anunciar esse Cristo vivo, que convida cada pessoa a uma decisão radical.
Não podemos segui-lo pela metade. Não existe discipulado morno. Jesus nos chama a deixar o cântaro, a levantar do leito, a abandonar as redes. Ele nos convida a viver plenamente na luz.
Hoje, como ontem, a pergunta de Jesus reverbera em cada um de nós: “Queres ser curado?”. E a Boa Nova é que, ao responder “sim”, entramos na vida plena, porque em Cristo descobrimos o sentido de tudo.