A virtude da Magnificência e os critérios de honra e beleza

Comentários sobre o Livro IV A Ética a Nicômano – Parte 2


Depois de tratar da liberalidade, Aristóteles aborda no Livro IV da Ética a Nicômano a virtude da magnificência (megaloprépeia). Essa virtude também está relacionada à riqueza, mas não em qualquer uso dela, e sim apenas no que diz respeito a grandes gastos. A magnificência se distingue pela escala: enquanto a liberalidade se refere a doações e usos cotidianos, a magnificência diz respeito a despesas extraordinárias, solenes, públicas ou de grande honra, como a construção de templos, oferendas religiosas, espetáculos cívicos ou celebrações que envolvem toda a comunidade.

O homem magnificente sabe gastar grandes quantias de maneira adequada ao agente, ao objeto e às circunstâncias, sem vulgaridade ou ostentação. Seu critério é sempre a honra e a beleza, não a exibição de riqueza. Gasta com largueza e prazer, não com cálculos mesquinhos, e busca sempre tornar o resultado digno do dispêndio ou até superior a ele. Por isso Aristóteles compara o magnificente a um artista, capaz de imprimir proporção, harmonia e grandeza em suas obras.

Importa frisar que a magnificência não é acessível a todos. Um homem pobre não pode ser magnificente, porque não dispõe dos meios necessários; se tentar fazê-lo, cairá no ridículo ou no excesso. Essa virtude exige não só recursos, mas também posição social, prestígio e educação, pois se trata de gastos que dizem respeito ao bem comum, à religião e à vida pública. No âmbito privado, a magnificência se manifesta em momentos únicos e solenes, como um casamento ou a recepção de hóspedes importantes.

Aristóteles reconhece dois vícios opostos à magnificência. O primeiro é a mesquinhez, que consiste em gastar abaixo do que é adequado, estragando a beleza de um grande projeto por economizar em detalhes ou lamentando cada moeda gasta. O segundo é a vulgaridade/ostentação, que consiste em gastar em excesso e de modo inadequado, investindo muito em coisas pequenas, ridículas ou com intuito de exibição pessoal. Tanto o mesquinho quanto o extravagante erram no critério e na finalidade, mas seus vícios não são considerados gravemente desonrosos, já que não prejudicam os outros diretamente, apenas revelam mau gosto ou apego excessivo ao cálculo.

Assim, a magnificência, como meio-termo, é a virtude que regula os grandes gastos de acordo com a honra, a beleza e a adequação. Não se trata apenas de riqueza, mas de saber transformar recursos em algo digno, belo e memorável, em harmonia com o bem da comunidade.

A Magnanimidade em Aristóteles

No Livro IV da Ética a Nicômano, Aristóteles apresenta a virtude da magnanimidade (megalopsychía), entendida como a grandeza de alma. Trata-se da disposição do homem que, com razão, se considera digno das maiores honras e de fato as merece. Para Aristóteles, a honra é o maior dos bens exteriores, pois é o reconhecimento público da virtude. O magnânimo, portanto, não busca honras por vaidade, mas as aceita como algo justo, ainda que saiba que nenhuma delas corresponde plenamente à excelência da virtude perfeita.

A magnanimidade, contudo, exige equilíbrio. O homem magnânimo é aquele que ajusta suas pretensões ao que realmente merece. Quem se considera digno de mais do que possui incorre no vício da vaidade; quem se considera digno de menos cai na humildade indevida ou pusilanimidade. Essa última é, segundo Aristóteles, ainda pior, pois significa não reconhecer o próprio valor e abdicar das ações nobres que poderia realizar. O magnânimo, ao contrário, é justo consigo mesmo: busca grandes coisas porque é capaz de realizá-las, mas despreza as pequenas, que não condizem com sua estatura moral.

As características do homem magnânimo refletem sua superioridade interior. Ele realiza poucas ações, mas sempre grandes e memoráveis; concede benefícios com largueza, mas envergonha-se de recebê-los; é franco em seus afetos, não se esconde atrás da opinião alheia, e fala com veracidade. Sua relação com bens exteriores é moderada: não se exalta com a riqueza ou o poder, nem se abate diante das perdas, pois sabe que tais bens são apenas instrumentos da honra. Até em seus gestos e na sua voz manifesta equilíbrio e calma, pois nada de pequeno ou trivial o perturba.

Por essa razão, Aristóteles descreve a magnanimidade como uma espécie de coroa das virtudes. Ela não existe isolada: apenas quem já possui em alto grau as demais virtudes — justiça, coragem, temperança — pode ser verdadeiramente magnânimo. Sem virtude, a pretensão à grandeza degenera em arrogância ou insolência, isto é, numa imitação grosseira do que deveria ser grandeza de alma.

Em suma, a magnanimidade é a virtude daquele que, consciente de sua nobreza, sabe que merece grandes honras, mas não se deixa escravizar por elas. Ele é o oposto do vaidoso, que exige mais do que merece, e do pusilânime, que aceita menos do que lhe cabe. No magnânimo, Aristóteles descreve o homem capaz de elevar todas as virtudes ao seu ponto máximo, vivendo não para o aplauso, mas para a realização daquilo que é realmente grande e digno.

O conto do Rei Nu e os vícios opostos à magnanimidade

O conto do Rei está nu, de Hans Christian Andersen, é uma ilustração exemplar desses vícios. O rei, obcecado por roupas novas e pela aparência, busca ser admirado não por sua virtude, mas pelo esplendor fútil de seus trajes. Trata-se de um caso evidente de vaidade: ele acredita merecer honra por algo que não tem verdadeira grandeza. Ao mesmo tempo, revela pusilanimidade, pois, quando confrontado com a possibilidade de ser enganado, não ousa afirmar a verdade, temendo parecer indigno. Sua suposta grandeza de alma se reduz, assim, à escravidão da opinião pública.

Ao redor do rei, a corte e o povo revelam outro vício: a adulação. Por medo de parecerem ignorantes ou inferiores, todos confirmam a mentira, reforçando o círculo de falsidade. A bajulação substitui a franqueza e corrói a autenticidade da honra, que passa a ser mero consenso ilusório. Esse aspecto é crucial, pois Aristóteles lembra que a magnanimidade tem função social: um líder magnânimo eleva a comunidade, mas um governante vaidoso e pusilânime arrasta toda a sociedade para o engano.

Somente a voz da criança rompe esse ciclo. Sua simplicidade e espontaneidade recordam a virtude da veracidade, também discutida por Aristóteles: dizer a verdade como ela é, sem exagero nem diminuição. A criança não busca honra, mas enuncia o real, e justamente por isso desmonta a vaidade do rei e a covardia dos súditos. Em certo sentido, ela se aproxima mais da grandeza da alma do que o próprio monarca, pois quem é realmente magnânimo não teme a verdade nem precisa sustentar aparências.

Assim, o conto mostra que o oposto da magnanimidade não é apenas a falta de grandeza, mas a corrupção da honra: quando ela é reduzida a aparência, alimentada pela adulação e sustentada pelo medo coletivo. O rei nu não é magnânimo porque não busca honras verdadeiras, e sua corte não é virtuosa porque prefere a mentira à franqueza. Aristóteles diria que, nesse ambiente, não há grandeza de alma, mas apenas um teatro de vícios, onde a honra perde sua essência e transforma-se em ridículo.