Deus nunca deixa de agir no mundo. Mesmo quando os tempos parecem escurecidos, Ele propõe recomeços e esses recomeços são, na verdade, a essência do cristianismo.

Desde o batismo, cada cristão é chamado à santidade. Esse chamado não é algo vago ou distante: é uma convocação concreta a uma mudança de vida, de mentalidade, de coração. E essa mudança pessoal é necessária para que o mundo também mude. Os cristãos, desde os primeiros séculos, tomaram esse chamado a sério. Enfrentaram perseguições, foram martirizados e transformaram o mundo, convertendo até o Império Romano.
Com o tempo, o número de cristãos cresceu muito. Ser cristão se tornou o costume em muitos lugares e também surgiu um novo fenômeno: o “cristão não praticante”. Um nome estranho, se pensarmos que os primeiros cristãos colocavam em risco a própria vida por viverem sua fé.
Com esse esfriamento espiritual, Deus mais uma vez agiu: o Espírito Santo foi derramado com força, e muitos homens e mulheres se entregaram com todas as suas forças à busca pela santidade. É desse contexto que nascem os monges e os mosteiros, que viriam a proteger a fé e até mesmo a civilização em tempos de barbárie.
No entanto, a vida retirada dos monges levou muitos a pensarem que a santidade só seria possível se a pessoa se tornasse padre, freira ou religioso. Essa mentalidade permaneceu por séculos… até que, no século XX, o Concílio Vaticano II trouxe uma clareza renovada: todos são chamados à santidade.
Na constituição Lumen Gentium, a Igreja nos recorda que “a luz dos povos é Cristo” e que o Evangelho deve ser anunciado a todos e vivido por todos. Um leigo, vivendo sua vocação no mundo, é chamado a ser santo tanto quanto um sacerdote ou religiosa.
São Josemaría Escrivá reafirmou com força esse ensinamento: todos os homens e mulheres devem buscar a santidade no meio do mundo, no seu trabalho, na sua família, nas situações ordinárias da vida. Mas por que, então, ainda associamos a santidade a um certo afastamento da realidade?
Talvez porque esquecemos que Jesus e São José foram carpinteiros, pessoas simples, que viveram do seu trabalho. Maria, por sua vez, teve uma vida mais parecida com a das nossas mães e esposas do que com a de uma religiosa. E, no entanto, eles foram os santos mais perfeitos.
Pense em São José em sua oficina, cuidando das contas, lidando com clientes, enfrentando dificuldades, e depois tendo que fugir para o Egito para proteger sua família. Tudo isso fazia parte do seu caminho de santidade. A vida ordinária escondia um chamado extraordinário.
Quando pensamos em santidade, muitas vezes caímos na armadilha de romantizar os santos. Mas eles foram humanos, com lutas, defeitos e dificuldades. São Paulo tinha um temperamento difícil e brigava com frequência (com Pedro, Barnabé, etc.). Santa Teresinha do Menino Jesus era melancólica. São Josemaría Escrivá reconhecia seus erros e pedia desculpas por eles.
Nossa Senhora viveu o ordinário com perfeição. Ela é prova de que Deus se revela no cotidiano, no silêncio, na fidelidade, na vida comum.
A santidade não é reservada a momentos extraordinários, mas pode (e deve) ser vivida nos pequenos gestos: no trabalho bem feito, na atenção aos filhos, na oração fiel, no cuidado com os outros. Como disse São Josemaría: “A vida de cada um deve ser um cântico de ações de graças.”
O nosso cotidiano é o palco onde Cristo deseja se manifestar. Por isso, devemos nos perguntar:
- Como posso mostrar a santidade para os meus filhos?
- Como posso tornar meu trabalho uma oferta a Deus?
- Em que ambiente posso melhor representar Cristo?
O terço, por exemplo, é uma poderosa ferramenta de luta interior — mas a santidade também exige ação. As boas palavras não são o amor: as obras o são.
Ponto de reflexão:
É mais acessível ser santo do que ser sábio, mas é mais fácil ser sábio do que ser santo.
Pense: quanto esforço dedicamos aos objetivos humanos? Quantos anos alguém estuda para um prêmio Nobel? E, no entanto, todos podem ser santos, mas nem todos podem ganhar um Nobel. Por que então exaltamos mais o reconhecimento humano do que a glória do céu?
Sim, a santidade é acessível, mas não é fácil. Ela exige esforço, dedicação, entrega diária. Um trabalho santo não significa esquecer-se do trabalho, mas vivê-lo com amor e retidão. Santificar uma família não é apenas rezar todos os dias, mas viver o amor concreto, o serviço, a escuta, a paciência, a fidelidade. Santidade não é teoria: é vida encarnada.
Jesus nos deu o modelo. O Espírito Santo nos guia. A santidade não é imitar um santo, mas buscar imitar Cristo, como eles fizeram. Não existe santidade etérea, fora da realidade. O trabalho é caminho de santificação. Os nossos deveres diários são chamados de Deus. Cada novo dia é um convite a participar do Seu plano.
Em cada um de nós há algo de divino, e precisamos encontrá-lo em meio à vida comum. Cristo é o caminho. E para segui-Lo, precisamos de um plano de vida espiritual: oração, sacramentos, escuta da Palavra, direção espiritual, vigilância.
Existem diferentes formas de piedade, diferentes vocações e caminhos — mas todos podem caminhar com Deus em todos os lugares. Basta estar atento às inspirações do Espírito Santo.
Maria, em Caná, deixou seu recado claro aos homens:
“Fazei tudo o que Ele vos disser.”
É isso. O chamado à santidade é real, urgente e possível. Exige empenho, mas vale a pena. Se quisermos olhar para Cristo, precisamos fazer o nosso caminho guiado por Ele.