Pedalando na Noite: Uma Lição Sobre Cair, Levantar e Seguir

Aproveitando as férias escolares e as minhas do trabalho, aproveitei o início da noite e decidi que era o momento perfeito para tentar, mais uma vez, ensinar minha filha a andar de bicicleta. Escolhi esse horário de propósito: menos movimento de pessoas e menos barulho. Até o piso estava mais frio, como se a própria pista ficasse mais gentil para quem está aprendendo a cair. É curioso como, sendo pai, a gente passa a se preocupar até com o chão onde os filhos vão tropeçar. Eu queria evitar que, se ela precisasse cair, fosse uma queda menos dolorida.

Ela ainda não pedalava sozinha. Não completamente. Sou eu quem fica ali, segurando ora a sela, ora o corpinho dela, tentando manter o equilíbrio enquanto as perninhas giram devagar nos pedais. E foi bonito ver o esforço, o misto de empolgação e medo estampado no rosto pequeno. A cada tentativa, seguimos o mesmo ritual: eu a coloco na bicicleta, ajeito suas mãos pequenas no guidão, digo palavras de incentivo, solto devagar… e então ela dá uma, duas pedaladas… e cai.

Mas o que percebi ontem, sob a luz amarelada dos postes que desenhavam sombras longas no chão, é que ela não caía por não saber pedalar. Ela caía porque, no meio do movimento, se preocupava tanto em não cair que esquecia de continuar pedalando.

E ali, parado, segurando o guidão torto da bicicleta, ouvindo o rangido da corrente, às vezes com ela sentada no chão, mais brava do que triste, me dei conta de como essa cena é um espelho perfeito da vida. Quantas vezes nós, adultos, fazemos a mesma coisa? Quantas vezes paramos de avançar porque estamos ocupados demais tentando prever a queda? Quantas vezes deixamos de realizar algo que poderia nos fazer crescer só porque a possibilidade do tombo nos assusta demais?

Penso em quantas ideias minhas ficaram no papel. Quantas conversas importantes eu adiei. Quantos sonhos coloquei em pausa porque o medo da frustração parecia maior do que a coragem de seguir em frente. É estranho perceber que, na vida, muitas vezes é justamente o medo de cair que nos faz cair. A bicicleta ensina isso com uma clareza quase cruel: o equilíbrio só existe no movimento. Parar de pedalar é o que faz tombar.

Lembro do Pequeno Príncipe, de Antoine de Saint-Exupéry, e das vezes em que ele fala que o essencial é invisível aos olhos. Acho que, muitas vezes, o essencial é essa coragem silenciosa de continuar pedalando, mesmo quando tudo em volta parece dizer que vamos cair. E lembro de outra frase dele, que me volta nesses momentos: “É preciso suportar duas ou três larvas se quiser conhecer as borboletas.” Talvez cair faça parte de se tornar borboleta.

Enquanto segurava minha filha, percebi o quanto ser pai é estar dividido entre proteger e soltar. O instinto quer segurar para sempre. Mas o coração sabe que, cedo ou tarde, será preciso soltar. É doloroso assistir alguém que a gente ama se esfolar no asfalto, ainda que seja só um raladinho no joelho. Mas, ainda assim, sabemos que faz parte. Que sem cair, ela não vai descobrir a força que tem para se levantar. E a verdade é que, por mais que eu me esforce, nunca vou conseguir impedir todas as quedas dela. O que posso fazer é estar sempre ali, para ajudá-la a ficar de pé novamente.

Mas ontem percebi algo ainda mais importante sobre o meu papel. Eu não recolhi a bicicleta. Pelo contrário: várias vezes mandei ela voltar. Mandava subir de novo, colocar as mãos no guidão, os pés nos pedais, e tentar outra vez. Esse é o papel do pai. Mandar voltar. Pedalar de novo. Porque eu sei que ela só vai aprender de verdade quando perder o medo de cair. Porque o grande lance da bicicleta, e da vida, é justamente esse: quando você perde o medo de cair e entende que precisa seguir em frente, é aí que você supera a frustração e simplesmente vai.

Às vezes ela me olha como se eu fosse louco por pedir que suba na bicicleta de novo. E, talvez, eu seja mesmo. Mas acredito profundamente que cada tentativa aproxima ela não só do equilíbrio, mas de algo ainda maior: a coragem de seguir em frente, mesmo sabendo que quedas podem acontecer.

Olho para minha filha e percebo que, na vida, todos nós estamos pedalando assim. Muitas vezes seguimos, vacilantes, com medo de cair. Mas, mesmo quando não vemos, existe alguém segurando a gente, nem que seja só pela lembrança do amor que já recebemos. Um amigo que nos incentiva, um parceiro ou parceira que nos apoia, pais que lá atrás nos ensinaram a tentar de novo, ou até algo maior, para quem tem fé, segurando firme quando achamos que vamos despencar.

É verdade, a verdadeira derrota está em desistir antes de tentar. Porque, no fim das contas, a gente também está sempre aprendendo a andar de bicicleta — na paternidade, no casamento, na vida.