São Tiago Maior: o apóstolo do trovão e patrono da Espanha

Entre os doze apóstolos escolhidos por Jesus Cristo, São Tiago Maior ocupa um lugar de destaque. Irmão de João Evangelista e filho de Zebedeu, ele foi um dos primeiros a ser chamado por Jesus, e também o primeiro entre os apóstolos a morrer martirizado. Sua vida, missão, martírio e legado de fé marcaram a história da Igreja e do Ocidente cristão, especialmente através da devoção a Santiago de Compostela, na Espanha.

São Tiago Maior, por El Greco (1610)

Chamado por Jesus e parte do círculo íntimo

Tiago foi chamado enquanto trabalhava com seu irmão e seu pai como pescador. Ao ouvir o chamado de Cristo — “Vinde após mim, e eu vos farei pescadores de homens” (Mateus 4,19) — ele deixou tudo e passou a seguir o Mestre.

Jesus o apelidou, junto com seu irmão João, de “Boanerges”, que significa “filhos do trovão” (Marcos 3,17), indicando que possuíam um temperamento forte. Tiago foi testemunha de momentos cruciais do ministério de Jesus, como a ressurreição da filha de Jairo, a Transfiguração no Monte Tabor e a agonia no Horto das Oliveiras. Ele fazia parte do círculo mais íntimo de Cristo, ao lado de Pedro e João.

A missão após a ascensão de Cristo

Depois da ascensão de Jesus e da vinda do Espírito Santo no Pentecostes, os apóstolos se espalharam para evangelizar. A Escritura não nos relata diretamente onde Tiago atuou, mas segundo uma tradição antiga da Igreja na Península Ibérica, ele teria pregado o Evangelho na região que hoje corresponde à Espanha, especialmente na Galícia e em Zaragoza.

De acordo com essa tradição, sua missão foi difícil, com poucos frutos. Em certo momento, desanimado, Tiago teria recebido uma visão extraordinária da própria Virgem Maria, que ainda estava viva em Jerusalém, aparecendo sobre um pilar de luz às margens do rio Ebro. Esse episódio ficou conhecido como a “Aparição da Virgem do Pilar” e é considerado o primeiro milagre mariano da história cristã, com bilocação.

Fontes que relatam essa tradição

Embora não estejam nos Evangelhos, essas informações vêm de textos veneráveis da tradição latina, usados inclusive em contextos litúrgicos e devocionais. Os principais registros são:

  • Breviarium Apostolorum (século VI)
  • De Ortu et Obitu Patrum, de Santo Isidoro de Sevilha (século VII)
  • Translatio Sancti Iacobi, presente no Codex Calixtinus (século XII)
  • Legenda Aurea, de Jacopo de Varazze (século XIII)

Esses textos pertencem à tradição ocidental e não têm qualquer vínculo com escritos gnósticos ou apócrifos. São parte do patrimônio devocional da Igreja, especialmente na Espanha.

Martírio de São Tiago

São Tiago foi o primeiro dos doze apóstolos a sofrer o martírio. Segundo o livro dos Atos dos Apóstolos, ele foi morto por ordem do rei Herodes Agripa I:

“Por aquele tempo, o rei Herodes começou a maltratar alguns da Igreja. Mandou matar à espada Tiago, irmão de João.” (Atos 12,1-2)

O martírio ocorreu por volta do ano 44 d.C., em Jerusalém. Herodes Agripa governava a Judeia como representante de Roma e não tinha jurisdição fora da Palestina. Portanto, é certo que a morte de Tiago se deu em Jerusalém, esse é o dado histórico mais seguro que temos.

A translação milagrosa: como seu corpo chegou à Espanha?

É aqui que entra a parte mais fascinante da tradição compostelana. Após o martírio de Tiago, dois de seus discípulos — Atanásio e Teodoro — teriam levado seu corpo para a Espanha, atravessando o mar Mediterrâneo.

Segundo o relato tradicional, essa viagem se deu em um barco sem velas, sem remos e sem tripulação. A embarcação teria sido conduzida miraculosamente desde a costa da Palestina até Padrón, na Galícia. Lá, o corpo do apóstolo foi sepultado em um campo deserto, que mais tarde receberia o nome de “Campus Stellae” — campo da estrela.

As fontes mais importantes que registram essa história são:

  • Codex Calixtinus, especialmente no Livro I, capítulo XVII
  • Legenda Aurea, que popularizou o relato entre os fiéis
  • As Crônicas Compostelanas, entre os séculos IX e XIII
  • Martirológio Romano, que celebra São Tiago em 25 de julho

Esses registros não fazem parte da Escritura, mas pertencem à tradição venerável da Igreja latina, reconhecida e respeitada.

A redescoberta da tumba e o nascimento de Santiago de Compostela

No século IX, por volta do ano 813, um eremita chamado Pelayo teria visto luzes estranhas no céu sobre um campo. O bispo Teodomiro de Iria investigou e encontrou ali uma antiga sepultura com os restos mortais atribuídos a São Tiago.

O local se transformou em um santuário de peregrinação que cresceria ao longo dos séculos: Santiago de Compostela. O Caminho de Santiago se tornou uma das maiores rotas de peregrinação da cristandade, ao lado de Roma e Jerusalém.

Devoção e patronato

São Tiago foi declarado padroeiro da Espanha. Durante a Idade Média, sua figura foi associada à resistência cristã contra o domínio muçulmano, surgindo a imagem de “Santiago Matamoros” — o guerreiro celestial que auxiliava os exércitos cristãos nas batalhas da Reconquista.

Além disso, ele é conhecido como protetor dos peregrinos, sendo invocado por viajantes e missionários.

Conclusão

A história de São Tiago Maior une os dados bíblicos históricos — como sua morte em Jerusalém — com a rica tradição devocional ocidental, especialmente na Península Ibérica. Embora a missão na Espanha e o traslado do corpo não estejam nas Escrituras, fazem parte de uma tradição sólida, documentada, litúrgica e reconhecida pela Igreja ao longo dos séculos.

Distante de qualquer apócrifo ou lenda gnóstica, a devoção a São Tiago Maior se sustenta em fontes veneráveis e continua viva até hoje no coração da fé cristã. Sua memória é celebrada todos os anos em 25 de julho, especialmente em Santiago de Compostela, onde multidões ainda seguem os passos desse grande apóstolo do Senhor.